Desafio
A fumaça que encobria o ambiente
não deixava ver se era noite ou dia. De tempos em tempos, uma nuvem subia em
arabesco acinzentado, se misturando no espaço. O cheiro forte do tabaco
impregnava cortinas, tapetes e roupas. Da luminária, um foco de luz intensa
saía, caindo sobre o pano verde onde diferentes mãos se apoiavam, gesticulando
dedos hábeis num balé original. As cartas eram abertas em leques que, no abre e
fecha, compunham uma coreografia nervosa.
Nos cinzeiros, a pureza do
cristal era maculada, invadida por tocos de cigarro. Mais um se juntava, e
outro mais. Ali, o tempo era contado pelo volume de baganas. De resto, era
sempre presente, um presente imediato, sem ponteiros, marcado pelo olhar
certeiro dos adversários incitados ao desafio.
Fichas coloridas brincavam de
esconde-esconde. Umas sobre as outras, rolavam pelo verde, espalhadas e
recolhidas, lançando no ar um curioso som de crianças faceiras, enquanto
outras, aguardavam em colunas, a hora da folia.
O resto era silêncio. Silêncio entrecortado pelo embaralhar das cartas,
pela distribuição sobre a mesa e por um pigarro destoante.
O suor escorria pelas testas,
sendo por vezes, recolhido por lenços brancos, que, amassados, retornavam
úmidos para bolsos vazios. Só um homem permanece seco.
Olhar frio, mãos frias, mente
fria. Recebe as cartas. Abre o leque, espreitando uma a uma, e quase como uma
carícia, as fecha. Olha cada rival.
Na mesa, começa a dança e a chuva
de cores borda o pano verde. Na sua vez, escolhe as azuis e as atira
displicente ao centro. Aguarda. Ninguém mais o acompanha. Vê alguma chance. Num
só golpe empurra o monte restante.
Encerrados os lances, um a um, os
leques se abrem. Corações com espadas; reis, damas e valetes. Ases de paus e
ouros. As mãos firmes se espalmam num movimento
viril.
Alguém levanta. A cadeira cai. O
homem amassa o último cigarro no cinzeiro. A sorte foi, definitivamente,
lançada.
(21/11/2014)
Comentários
Postar um comentário