A colheita da marcela
A Colheita da marcela
É
cedo, madrugada ainda e meu pai me acorda para colher marcela. Assim temos
feito sempre, nas Santas Sextas-feiras. A preguiça de levantar da cama acaba
quando lembro o quanto é divertido o passeio até a Serra: aventura e contratempos ― pneus furados, radiador aquecido.
Num
salto, pulo da cama. Visto as roupas colocadas de véspera sobre a cadeira. Calça
comprida, tênis, e casaco. Tomamos um rápido café e saímos. No carro, reparo
que as ruas estão desertas e pela janela aberta o frio da manhã gela
meu rosto. Aos poucos, a cidade começa a acordar e as luzes das casas vão sendo
acesas. Vejo movimento nas ruas, pessoas entrando em padarias, lojas abrindo
portas, e o barulho estridente das cortinas de aço sendo levantadas.
Já
na estrada começa o amanhecer; imagino uma lanterna fraca colocada no
horizonte. Mesmo sonolenta, fico admirando a mudança das cores do céu.
Os
olhos começam a pesar. Vão fechando, fechando...
Uma
sacudida forte e o ruído da travada me acordam.
― Vamos lá pessoal, chegamos! Aqui tem marcela
para todos! ― é a voz de papai em grande entusiasmo.
Parados
à beira da estrada, abrimos as portas do carro e saltamos. Com a tesoura na mão
corro ansiosa campo adentro. Vejo logo ali, um grande canteiro amarelo. O
perfume forte e adocicado é o cheiro da Páscoa. ― Páscoa sem marcela não é
Páscoa. ― Sempre achei mais emocionante a festa da colheita, do que a caça aos
ovos de chocolate. Deve ser o passeio, a viagem, a alegria: sempre uma aventura.
O
sol a esta altura, brilha forte. Cruzo as macegas que se enroscam nas pernas tentando
me livrar das mais espinhentas; os pés amassam o mato ralo, e flores de todas
as cores alegram minha busca. Sinto o rosto em brasa. Arranco um capim alto e sigo
mordiscando o matinho, sentindo o gosto da grama fresca. Alguém grita: ― Por
aqui!
Corro
para alcançar o tesouro em primeiro lugar. Cá estão: faceiros, brilhando, dourados
ao sol, os ramos agitados pelo vento. Com cuidado para não desfolhar, pego um
maço e corto, formando um buquê. Depois outro e mais outro. Neste momento,
muitas mãos se cruzam às minhas, se batendo na ânsia de pegar maior quantidade.
O riso é solto. Gritos e brincadeiras. Uma festa.
É
quase meio-dia quando voltamos, com os braços carregados. Olho para meu pai e o
vejo sorrindo, encostado no carro. Em nossos olhos, a mesma alegria e agitação.
Encontro nele a criança escondida. E como
eu, muito feliz!
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