.Dia de Reis
Hoje é dia de desmanchar a árvore de Natal: dia de Reis
Sempre começo recolhendo os enfeites dispersos pela
casa. O adeus vai se dando aos poucos. Não é bem um adeus, é um até o ano que
vem.
As flores vermelhas, a guirlanda na porta, a sagrada
família no hall de entrada. Vou despindo as vestes natalinas e o vazio fica
silencioso. A cada gesto, relembro como foi mais este Natal: presenças sempre
presentes, ausências relembradas. Na verdade todos, nesta época ficam muito
presentes. Todos, ao pé da árvore, confundidos com pacotes coloridos e laços de
fita. Vejo cada sorriso, a delícia da ceia, a oração. O Tender indispensável,
marca registrada de receita tradicional, mantida em segredo.
A alegria das
crianças cuja inocência nos comove e encanta; o abraço amigo, a lágrima que
teima em rolar se mistura ao sabor do espumante gelado.
Por fim, recolho
o presépio, guardando – um a um – os personagens: os três reis, Maria, José, o
Menino, o boi, o burrico e o carneirinho, além do grande anjo da anunciação. Pego
cada peça com carinho pensando nos inúmeros presépios que já passaram por mim. Foram
muitos.
Em criança, o Natal na casa de minha avó Anna, a
atração era o presépio enorme, completo. Não a só a manjedoura, mas uma pequena
cidade onde, afastado, se encontrava o estábulo iluminado pela estrela Guia.
Lá, Maria e sua família repousavam depois da longa jornada. O lago com
patinhos, que mais tarde descobri ser um espelho (!), me transportava para
inúmeras fantasias. Pequenas árvores, cercas coloridas nas casinhas de teto
vermelho e a igreja na praça central da aldeia. Quando chegava a noite, vovó
acendia as lâmpadas e começava o verdadeiro espetáculo, o encanto. Tudo
acontecia naquela aldeia. Os netos, reunidos, ficavam imaginando pequenas
histórias. O que estariam pensando seus habitantes sobre os estranhos que
chegaram de mansinho e se instalaram no estábulo, lá na saída da aldeia? Uns
espiavam através da porta, outros debruçados nas janelas. A atenção era voltada
para a luz que vinha da estrela cintilante que apontava para aqueles lados.
O presépio ocupava quase toda a sala, onde pendiam
grandes samambaias, tendo ao fundo a árvore de Natal, natural, com o perfume
gostoso que se espalhava pela casa.
Lembro que minha mãe nos chamava para dormir, mas nós
ficávamos descobrindo a cada dia, um elemento novo: um galo, um cachorro, um
gato; um ferreiro, uma lavadeira.
Dos Natais em minha casa, não me lembro dos presépios,
mas das árvores. Eram escolhidas e compradas nas ruas de Porto Alegre, onde
eram vendidas em grandes caminhões. De todos os tamanhos. Meu pai sempre
escolhia a melhor: preço, beleza e tamanho. Era colocada na sala, num grande
galão de tinta, transformado em vaso cheio de terra. Ali era “plantada”, só então
começávamos a colocar os enfeites. Eram em geral muito delicados e seguidamente
escapavam das mãos inexperientes, espedaçando-se no chão. ̶ Cuidado,
vocês vão se machucar! No tapete os cacos de vidro coloridos brilhavam. Vez por
outra, chegava nova remessa de bolas, tal era o grau de perda.
E assim, foi Natal após Natal. Já adulta, sentia a
falta do encanto e da fantasia, mas a alegria sempre esteve presente.
Hoje, mais um Dia de Reis. Quantas árvores já desmontei
sozinha ou com minhas filhas. Colocando enfeite por enfeite nas caixas,
enrolando os cordões de prata e luzes. Ao longo dos anos, acumulamos muitos enfeites.
Cada um com sua história; cada época marcando uma lembrança, uma viagem, um
presente.
Depois de tudo guardado, resta a casa vazia. A sala
fica vazia. No chão, somente fiapos prateados sinalizam o que se passou. No
vazio, vejo mais um ano pela frente. Um novo ano desconhecido, como é
desconhecido cada dia que nasce.
As caixas vão para a despensa, junto com as lembranças
̶
até o próximo Natal.
Comentários
Postar um comentário