Magia


Magia

            Platéia lotada. Aquela seria mais uma noite de esplendor. Afinal, era Natal. Atenção e expectativa marcavam a fisionomia de todos. A música forte destacava os pianíssimos e no ar, a respiração suspensa.
            Vozes límpidas. Nem mesmo a gripe do ultimo fim se semana que a pegara de surpresa, parecia ter deixado marcas. A cada movimento do maestro, a misteriosa alquimia: a mão gesticulava no ar e o encanto se produzia. Magia. Como sob a ação das sereias de Ulisses, olhares hipnotizados se tornavam úmidos de emoção.
            As luzes, e, sobretudo, a obediência aos gestos do maestro, não permitiam que a contralto afastasse o olhar da batuta. Aos poucos, porém, a descontração e a confiança a permitiam desfrutar daquele momento.
            Misturado entre o público, se encontrava alguém que, assim como os demais, era seduzido. Seu olhar passava cada um dos cantores num vai-e-vem, até que parou na voz que parecia cantar só para ele. Ao som de ‘Adieu, Sweet Amaryllis’, um espetáculo a parte se iniciou.
            Nos fios de cabelos, que brincavam desalinhados nas têmporas, ela pode ler as noites de solidão que o deixavam tão vulnerável. Os olhos de um castanho profundo brilhavam, sem esconder uma sombra de tristeza. Por momentos, podia perceber que estava sentado ali, o menino sensível que, deslumbrado descobrira quem sabe, ao lado da avó, o mundo dos sons. O gosto pela música fazia, com certeza, parte de sua vida, de seu passado.
            Sem perder o andamento e o ritmo, ela percorreu a linha daquele rosto anônimo, a esta altura, incrivelmente familiar. Parou nos lábios: bem traçados, expressavam por seu contorno, uma boca de misteriosa sensualidade, que a fez estremecer e falsear o tom. Imaginou-a doce e quente, sussurrando seu nome inúmeras vezes.
            A mente corria veloz amparada pelos acordes finais quando, na ultima fermata, sentiu, suave, o seu beijo. As vozes cessaram de um só golpe sob o gesto preciso do maestro.
            Mãos batiam palmas compassadas, num ruído tão esperado: o da aprovação.
            No rosto da platéia a alegria do momento vivido e, porque não?, sonhado...


(08)

Abril 1995

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