Consciência descalça
Fim
de tarde no shopping. Despreocupada, ela passeia os olhos pelas vitrines. No
ar, o perfume do luxo e do bom gosto. Manequins elegantes vestem o
prêt-à-porter do verão: vestidos alegres e coloridos, assessorados por
sandálias e bolsas charmosas. O desfile de grifes confunde as emoções femininas.
De um lado, elas reparam no mau gosto da nova tendência da moda, e de outro, se
admiram da retomada de modelos usados nos anos 70. Paradoxo inconciliável. Mulher é assim mesmo: não resiste. Insiste.
No
vai e vem do olhar, pára ao ver o sonhado par de sapatos vermelhos. Apaixona-se
à primeira vista. Entra na loja e efetua
a compra sem pensar nas conseqüências: o alto preço, o cartão de crédito estourado,
a conta bancária no vermelho, a mensalidade da escola atrasada. Realiza seu
sonho e, sem arrependimento, sai feliz sacudindo a sacola que grita aos quatro
ventos: consegui!
Fim de tarde no shopping. Com fome, ela
corre os olhos ansiosos pelas mesas da Praça de Alimentação. No ar, o cheiro
gostoso de fritura. Procura nas mesas abandonadas, os restos do lanche das
crianças ricas. Nos guardanapos amassados e sujos, batatinhas que não encontraram
a fome. Resgata os restos, mas não é o suficiente.
Perambula
pelos corredores, cruzando por famílias inteiras, rindo, felizes. Espia as
vitrines muito iluminadas, onde magros manequins mostram pernas compridas,
cabelos lisos e brilhantes. Repara nos grandes olhos sem vida, arregalados em
cílios imensos que olham não sabe para quem, para lugar nenhum.
A
fome dói. Só é esquecida por momentos, quando vê um lindo par de sapatos
vermelhos na vitrine. São tão lindos, que estende a mão para tocá-los, acariciando
a superfície fria do vidro. Podia até senti-los em sua pele.
A
fome aperta. Sai rapidamente para buscar o que comer. Na pressa, bate em alguém.
Uma sacola cai. A menina se abaixa para ajudar a recolher o pacote. Neste
momento, as duas se encontram. No chão, os sonhados sapatos vermelhos surgem na
caixa entreaberta. A menina olha encantada, enquanto a outra se depara com a
realidade calçando chinelos gastos.
Juntou
a sacola e sorriu para a menina. Já não estava tão feliz: não esperava este encontro
com a infância descalça.
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