O sonho como passageiro


O sonho como passageiro


            Como fazia há dois anos, quando começara a trabalhar nas ruas, ele estava com o carro estacionado no ponto de Taxi a que servia. Distraído, ouvindo as últimas do futebol aguardava um passageiro ou um chamado pelo rádio. Vez por outra, tirava um cochilo. 

            A manhã fora fraca ― talvez tenha sido o frio. São poucos os que se encorajam de sair quando sopra o Minuano.

            ― Só mesmo por compromisso ― pensava olhando o céu carregado.

            Uma leve batida na janela lhe tira daquela preguiça.

            A porta se abriu e um perfume suave, seguido de uma linda mulher entra no taxi. Linda. Ele nunca vira alguém assim. Pensava estar sonhando.

            Depois do primeiro impacto, o rapaz se endireitou no banco, passou as mãos no cabelo, ajeitou a camisa. Seguiu para o destino solicitado por uma voz suave, porém firme.

            O espelho retrovisor emoldurava um rosto diferente, uma beleza tranqüila. O carro parecia mais leve; flutuava nas rodas, andava silencioso. Não sentia nem mesmo os remendos da pista que tanto lhe irritavam. Arriscou, por segundos, um olhar: tinha medo de que transparecesse seu encantamento.

            O trânsito fluía livre ― infelizmente.  Ele pensava que, com os sinais todos verdes, logo estariam no endereço indicado. Seguia sem pressa. Precisava ganhar tempo, pois sabia que depois seria o nada. O banco ficaria vazio e ele também. Pensou em alterar o trajeto para ficar com a passageira por mais algum tempo, um pouquinho só. Mas desiste. Seria imprudente.

            Olhou pelo espelho, mais uma vez. Os cabelos da moça teimavam em cair nos olhos e com gesto elegante, ela os afastava colocando os fios rebeldes atrás da orelha. Sorriu.  De repente, era como se o mundo coubesse no limite do espelho. Mais nada do que se passava lá fora, importava. Suas ações se tornaram mecânicas: o pé no acelerador, as mudanças de marcha, o freio. Tudo acontecia como se ele fosse um robô.

            Chegando num cruzamento, o vermelho lhe acena em auxílio, algumas vezes. Era a chance de, mais uma vez, olhar aquele rosto. Sentiu um impacto quando seus olhos se cruzaram e não conseguia desviar o olhar. Mais um sorriso. O tempo parou. Ele entrou pelo espelho e viajou. Viajou naqueles olhos escuros até o ponto de chegada.

            A moça linda pagou a corrida, agradeceu e saiu. A porta bateu, deixando-o parado, olhando ela entrar no edifício. Ficou ainda um tempo ali, esperando o quê, não sabe. Talvez acordar de um sonho.

            Voltando aos poucos ao mundo real, engatou uma primeira, sem pressa. Um braço, logo ali adiante, acena para mais uma aventura do dia.

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Comentários

  1. maravilhossssso teu texto. nao precisava era terminar sem esperança! parece minha realidada heheh, viva a melancolia. Lhe convido a visitar um meu parecido com o seu: http://qualidadedabusca.blogspot.com.br/2012/08/o-dia-que-os-astros-se-encontraram-e-o.html

    bjo e sucesso!

    ps: comprei o livro de vcs lançado na feira!

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