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A arte através do tempo

 Sentimos a necessidade de introduzir, em linhas gerais, como se compreende a noção da passagem do tempo dentro do processo histórico, isto é, como se vê o transcurso das civilizações, umas após outras, sob o ponto de vista dos fatos vivenciados pelo homem. Cada civilização marca, a priori, um tempo da História e é moldada por uma estrutura, um caráter, que a distingue umas das outras. Assim podemos lembrar a civilização egípcia, a romana, a medieval. Todas elas possuem características peculiares, determinadas pelo espírito vigente na época, com impulsos intrínsecos ao momento histórico em que transcorreram. Este ‘espírito’, tanto é refletido nas idéias políticas, na religião, na organização social, na filosofia como na arte. É o que chamamos de “ cosmovisão ”: o modo particular que se constitui na EXPRESSÂO de tudo o que se desenrola neste período.         O que constitui então a civilização é, fundamentalmente, a VIDA que evolui neste espaço histórico...

Desafio

   A fumaça que encobria o ambiente não deixava ver se era noite ou dia. De tempos em tempos, uma nuvem subia em arabesco acinzentado, se misturando no espaço. O cheiro forte do tabaco impregnava cortinas, tapetes e roupas. Da luminária, um foco de luz intensa saía, caindo sobre o pano verde onde diferentes mãos se apoiavam, gesticulando dedos hábeis num balé original. As cartas eram abertas em leques que, no abre e fecha, compunham uma coreografia nervosa. Nos cinzeiros, a pureza do cristal era maculada, invadida por tocos de cigarro. Mais um se juntava, e outro mais. Ali, o tempo era contado pelo volume de baganas. De resto, era sempre presente, um presente imediato, sem ponteiros, marcado pelo olhar certeiro dos adversários incitados ao desafio.  Fichas coloridas brincavam de esconde-esconde. Umas sobre as outras, rolavam pelo verde, espalhadas e recolhidas, lançando no ar um curioso som de crianças faceiras, enquanto outras, aguardavam em colunas, a hora da...

Consciência descalça

           Fim de tarde no shopping. Despreocupada, ela passeia os olhos pelas vitrines. No ar, o perfume do luxo e do bom gosto. Manequins elegantes vestem o prêt-à-porter do verão: vestidos alegres e coloridos, assessorados por sandálias e bolsas charmosas. O desfile de grifes confunde as emoções femininas. De um lado, elas reparam no mau gosto da nova tendência da moda, e de outro, se admiram da retomada de modelos usados nos anos 70. Paradoxo inconciliável. Mulher é assim mesmo: não resiste. Insiste.                 No vai e vem do olhar, pára ao ver o sonhado par de sapatos vermelhos. Apaixona-se à primeira vista.  Entra na loja e efetua a compra sem pensar nas conseqüências: o alto preço, o cartão de crédito estourado, a conta bancária no vermelho, a mensalidade da escola atrasada. Realiza seu sonho e, sem arrependimento, sai feliz sacudindo a s...

Silêncio Branco

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    Silêncio Branco Toronto, fevereiro 2014             Silêncio. O silêncio é branco. Sempre pensei que fosse escuro, gris, mas é branco. A natureza silencia quando o branco chega. Dorme, serena.   Os pássaros não cantam, as flores adormecem em suas sementes, as árvores secam sem folhas nem frutos.           Imobilidade. Somente o sol vem e vai, em pequenos espaços de tempo: espia, ilumina e sai. Foge do frio. O vento sopra gelado, lufadas em desabafos contidos. Movimenta por algum tempo a rigidez da natureza adormecida em lençóis muito alvos.             O sono gelado tem sonhos de calor, de flores e frutos maduros; de sons intensos que virão com o despertar.             Os homens se encolhem, se aconchegam nos lares, ao redor do fogo, d...

.Dia de Reis

Hoje é dia de desmanchar a árvore de Natal: dia de Reis Sempre começo recolhendo os enfeites dispersos pela casa. O adeus vai se dando aos poucos. Não é bem um adeus, é um até o ano que vem. As flores vermelhas, a guirlanda na porta, a sagrada família no hall de entrada. Vou despindo as vestes natalinas e o vazio fica silencioso. A cada gesto, relembro como foi mais este Natal: presenças sempre presentes, ausências relembradas. Na verdade todos, nesta época ficam muito presentes. Todos, ao pé da árvore, confundidos com pacotes coloridos e laços de fita. Vejo cada sorriso, a delícia da ceia, a oração. O Tender indispensável, marca registrada de receita tradicional, mantida em segredo.   A alegria das crianças cuja inocência nos comove e encanta; o abraço amigo, a lágrima que teima em rolar se mistura ao sabor do espumante gelado.   Por fim, recolho o presépio, guardando – um a um – os personagens: os três reis, Maria, José, o Menino, o boi, o burrico e o ca...

Planos para o Ano Novo

Como acontece nas vésperas de Ano Novo, os planos para o novo ciclo começam a ser pensados. É incrível como a gente acaba adotando esta época como o fim de uma etapa e inicio de outra melhor. Sempre melhor, é claro! Se o ano que passou foi um ano bom, rezamos para que continue no mesmo ritmo, sempre pra frente. Se mexer muito, pode estragar. Que nem bolo de vovó: não bater no fogão depois da massa ir ao forno, senão embatuma! Se o ano foi ruim, acreditamos que ao alvorecer do dia primeiro de janeiro, os eixos irão se ajeitar, que tudo voltará ao normal, ou melhor ainda, que tudo vai se resolver. É um sonho, uma fantasia? Talvez. A verdade é o desejo de felicidade, saúde, sucesso. Quem não deseja isto “forever”? Nas palavras que acompanham cada abraço, encontramos com frequência o “tudo de bom”. É um desejo natural, inerente ao ser humano reles mortal. Viva ele ao Norte, Sul, no Oriente ou Ocidente. Ásia, Europa, Américas e África. Mesmo nos mais descrentes e at...
Certidão de Óbito               Certifico que, em data de 30 de abril de 2012, no Livro n° SS3 às fls. tantas foi lavrado, neste assentamento hoje crônico, o Registro de Óbito da  Ética (vulgo Caráter). Desaparecida, já faz algum tempo, neste país denominado Brasil, em hora desconhecida.             De todos os sexos, a saber, masculino, feminino e GLS; de todas as cores, inclusive as do arco-íris e como profissão atividades do cotidiano. Natural do seio familiar, domiciliada e residente em todo o território nacional, a saber, nômade. Idade: 512 anos. Estado civil: multigâmico.   Filha de Portugal e Espanha, residentes e domiciliados na Velha Europa, com o apadrinhamento de inúmeras nações que sangravam as terras do Novo Mundo.             O presente óbito atestado pela Dra. Indignação...