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Mostrando postagens de novembro, 2011

Arma Secreta

Arma Secreta         1967.  A efervescência política domina as manchetes dos jornais em todo o país. Nas universidades, os estudantes vivem momentos de grande agitação: passeatas, assembléias, greves, movimentos estudantis, acompanhando freneticamente o cenário nacional.         Na Faculdade de Filosofia da UFRGS não foi diferente: o berço das manifestações de estudantes politizados, conscientes do momento crítico, protestando pelos desmandos de uma política que acabava com a liberdade de pensamento.          As aulas, em clima de discussões, e nos corredores, manifestos, cartazes, convites para reuniões e assembléias com os demais cursos.      O  bar da Filosofia, famoso por acolher as mais altas intelectualidades da universidade , acolhia idéias, entre as mais ponderadas, até as mais extremistas - típico de uma juventude sadia.          Neste clima, ...

A amiga Adelaide

A amiga Adelaide             Adelaide chegou inesperadamente naquele verão. A princípio, foi recebida com estranheza. Era, a bem da verdade, muito feia. Demonstrei minha imediata insatisfação por sua presença, mas foi em vão. Ninguém me ouviu, e ela se instalou em nossa casa. Tanto ela como eu, não nos sentíamos à vontade: ela, quem sabe, por ter saído de perto dos seus e eu, por ter ali, uma criatura indesejável.             Eu a observava, a certa distancia, sempre silenciosa, passando de lá para cá. Mesmo evitando sua companhia, a curiosidade me levou a espiá-la em seus momentos mais particulares: a hora das refeições e a do banho. Via como saboreava a comida, indiferente ao que se passava à sua volta e, na hora do banho, sem avisar, se atirava na banheira. Deslizava na água com uma facilidade de dar inveja. Depois, secava-se ao sol, imóvel, num sono sem fim. Que vida...

A lógica da inocência

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A lógica da inocência                                                 Menina, seis anos talvez, e um fastio irritante. A hora das refeições, uma tragédia. Para contornar o problema, brincava com a comida no prato: enrolava a massa no garfo, imaginando cabelos de princesa e, com as tirinhas de couve, fazia ramos de salso-chorão. Na sopa de letrinhas exercia o beabá enfeitando as bordas. O arroz, num montinho bem arrumado no centro e o feijão em volta, fazendo um grande sol branco de raios negros. Assim, conseguia fazer daquela hora uma atração; o desafio de criar algo novo para driblar a absoluta falta de fome, agradando assim aos pais.                    ...

A Caixa de Pandora

A Caixa de Pandora ou  Elogio à Curiosidade             Nós, mulheres, constantemente somos acusadas de curiosas. Não poderia ser diferente já que, temos contra nós, alguns exemplos que nos deixam sem defesa – ou quase.             Primeiro, conta a Bíblia, que a mulher de Lot  olhou para trás e virou estátua de sal. Ela apenas queria ver o espetáculo que acontecia no momento da destruição de Sodoma e Gomorra! Proibida pelo anjo, sob pena de castigo, ela não poderia se voltar e espiar... Seguia, assim, submissa, rumo às montanhas.  Porém, algo muito forte a fez virar rosto - não pensou, nem temeu: ousou e cristalizou. Estaria ela olhando pela última vez o lugar do pecado, da perdição? Teria lembranças? Ou simplesmente a beleza da chuva de pedras e enxofre a atraía? Não se sabe. Só restou a idéia da desobediência – e do castigo.     ...

O prêmio da Rifa

O premio da Rifa                          Quinzinho foi ao bolicho do seu Pedro comprar farinha pro pão. Nina já estava com o fermento na tigela, os ovos e – diabos! – faltou farinha.                         ― Corre na venda, Quinzinho, buscar farinha. Depressa, homem, se não desanda o fermento.                         E lá foi ele, passo folgado, gingando de um lado pro outro. Pegou a farinha e, quando já estava na porta, de saída, uma figura grudada na porta do armazém o fez parar: uma foto muito colorida mostrava um mar lindo, verdinho, montanhas e um moço e uma moça, bonitos, rindo, felizes.                ...

Quebrando a cara / Encontro com o passado

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Quebrando a cara       Zé chegou  foi pra casa trocando as pernas: tinha passado no boteco do Ramires e tomado  umas e outras.       O casebre estava vazio. Da porta, ele enxergava tudo: a cama desarrumada, a mesa, as cadeiras (tinha só duas, pois as outras ele quebrara de ódio – ódio e raiva). Na pia, panela, caneco e prato sujo. Entrou tropeçando e caiu como um saco de batatas, batendo a cabeça no chão. Ficou lá, ferida aberta.       Quando abriu os olhos, já noite, viu a crua realidade: não tinha mais mulher, nem emprego, e a única alegria do idiota era voltar ao boteco, pra turma do beco – e já!   % % % Encontro com o passado              Ele chegou no trem das cinco. Desceu a ladeira apressado. Tudo havia mudado.             Parou frente à casa de madeira. Viu marcas no c...

Efeito estufa

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Efeito estufa             Feriadão. Os pés na água fria acordam meus sentidos, anestesiados pelo uso contínuo de sapatos. Espalho pingos para todos os lados. Brincadeira gostosa que fazia quando criança. Deito na areia, deixando o sol entrar na pele, sentindo meus ossos agradecerem pela vitamina D que recebem. Olho o mar. 180° de horizonte aberto. Pessoas caminham pra lá e pra cá. Uns sós, outros em dupla, com fones de ouvido ou gesticulando. Aposto que sei do que falam: o capítulo da novela, os juros abusivos, a tomada da Rocinha. Dispenso os pensamentos que invadem minha praia. Fecho os olhos. Calor gostoso, cheiro de mar, barulho de ondas... Ouço riso de criança.  A memória de meu corpo agora aquecido me leva ao passado.             A praia de Cidreira. Férias tão sonhadas. Quinze dias intensos, que passavam voando. A casa de madeira, simples com avarandado amplo e rede estendida. Um grande cômoro de ar...