Efeito estufa
Efeito estufa
Feriadão. Os pés na água fria acordam meus sentidos, anestesiados pelo uso contínuo de sapatos. Espalho pingos para todos os lados. Brincadeira gostosa que fazia quando criança. Deito na areia, deixando o sol entrar na pele, sentindo meus ossos agradecerem pela vitamina D que recebem. Olho o mar. 180° de horizonte aberto. Pessoas caminham pra lá e pra cá. Uns sós, outros em dupla, com fones de ouvido ou gesticulando. Aposto que sei do que falam: o capítulo da novela, os juros abusivos, a tomada da Rocinha. Dispenso os pensamentos que invadem minha praia. Fecho os olhos. Calor gostoso, cheiro de mar, barulho de ondas... Ouço riso de criança. A memória de meu corpo agora aquecido me leva ao passado.
A praia de Cidreira. Férias tão sonhadas. Quinze dias intensos, que passavam voando. A casa de madeira, simples com avarandado amplo e rede estendida. Um grande cômoro de areia era o quintal dos fundos. A cozinha amanhecia branquinha quando o vento
soprava. Muitas manhãs ao comer o pão, a gente ouvia o roc roc da areia nos
dentes. Ríamos muito. A luz era precária. Lampião à querosene e velas. Ficava olhando meu pai bombear a água do poço com facilidade: sorriso largo e
branco, no corpo forte e bronzeado.
Na
praia, aquela farra: cavar buracos e fazer castelos que o mar impiedosamente
desmanchava. Sem desânimo, a gente construía “muros” de contenção e ficava esperando
as ondas chegarem, para ver o resultado de nossa engenharia. Virados em
croquetes de areia, íamos para o mar. As ondas subiam como paredes imensas caindo
com violência, atropelando num redemoinho, e nos jogando na praia. Resultado:
joelhos e cotovelos esfolados. Furar onda,
e fazer jacaré, me custou alguns caldos.
Nosso
dia era assim: cedo na praia, cedo voltávamos para casa. Diferentemente de
hoje, ao meio dia, todos estavam em suas casas almoçando. Não se falava em
buraco de ozônio, protetor solar, raios UVA e UVB. Untávamos o corpo com óleo de
coco: uhm...que cheiro bom. Depois da sesta, a segunda grande etapa do dia:
pescaria.
O carro
ia pela praia. Janelas abertas, vento entrando, cabelos desalinhados. Carro
atolado, empurra-empurra. Por ser menor, eu pescava de rede: cada um segurando
de um lado. Fazíamos o balanço da onda, e ao retornar, a rede ficava cheia de
peixinhos prateados. E o medo de pegar os peixes? Ficava assustada e os largava no chão. Meu
irmão me ajudava e os colocava no balde. Agachada, eu ficava olhando aquele
aquário improvisado, encantada com as acrobacias que faziam no pequeno espaço.
Meu pai
pescava de tarrafa, e quando recolhia a rede era uma correria. Presos às
linhas, siris, camarões e peixes de várias espécies eram retirados com
cuidado. A expectativa da pesca, o corre para o mar, pega o peixe; corre para a
areia, coloca no balde: era muita algazarra.
Fim de
tarde. Começava a operação limpeza: com uma tesourinha, a gente abria a barriga
dos peixes tirando as vísceras. No início, ― ai que nojo! Depois, se
tornava um ato cirúrgico.
Uma bola
bate na perna. Abro os olhos. Uma criança corre para mim. Olho a menina e me
vejo aos seis anos. De imediato um pensamento me chega: nesta era tecnológica,
consumista e descartável, penso, terá esta criança terá recordações tão doces
como as que eu acabara de ter?
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