A amiga Adelaide


A amiga Adelaide

            Adelaide chegou inesperadamente naquele verão. A princípio, foi recebida com estranheza. Era, a bem da verdade, muito feia. Demonstrei minha imediata insatisfação por sua presença, mas foi em vão. Ninguém me ouviu, e ela se instalou em nossa casa. Tanto ela como eu, não nos sentíamos à vontade: ela, quem sabe, por ter saído de perto dos seus e eu, por ter ali, uma criatura indesejável.
            Eu a observava, a certa distancia, sempre silenciosa, passando de lá para cá. Mesmo evitando sua companhia, a curiosidade me levou a espiá-la em seus momentos mais particulares: a hora das refeições e a do banho. Via como saboreava a comida, indiferente ao que se passava à sua volta e, na hora do banho, sem avisar, se atirava na banheira. Deslizava na água com uma facilidade de dar inveja. Depois, secava-se ao sol, imóvel, num sono sem fim. Que vida boa esta, eu pensava. Boa, porém sempre igual. Aos poucos, fui me conformando, sabendo que agora, sua presença era inevitável. Tentei então, desvendar aos poucos, o enigma de sua existência.
            Uma tarde, para minha surpresa, Adelaide se aproximou, e acariciou meus dedos. Num misto de repulsa e satisfação, deixei a mão ali, sem mexer. Ela então se afastou. Pensei que nunca mais ela voltaria a me procurar. Pela primeira vez, desde que chegara me preocupei com a possibilidade de que ela não gostasse de mim.
            No dia seguinte, bem cedo, fui vê-la. Lá estava, tranquila. Não parecia aborrecida com minha indiferença do dia anterior. Veio ao meu encontro e espichou o pescoço, o que deduzi ser o pedido de um beijinho de bom-dia. Um beijo era demais! mas não custava nada fazer um agrado. Levei a mão à sua cabeça e receosa, fiz um carinho. Fizemos então as pazes. Dali em diante, ficamos inseparáveis.  Se fôssemos sair, Adelaide era convidada; se não a deixassem ir, eu ficaria também. Ela se tornou minha confidente e, quanto mais crescíamos, mais segredos trocávamos. Muitas vezes, vendo-a triste, desanimada, eu pensava em algo para alegrá-la; parecia adivinhar meus pensamentos, e, com a habitual calma, vinha beliscar meus dedos. Assim, também eu, quando o mundo inteiro não me entendia, ela, com sua sabedoria silenciosa, era a companhia ideal.

            Os anos passaram. Adelaide pouco cresceu, mas eu, já estava com idade de ir para a escola. Envolvida com a novidade, pouco tempo me sobrava, e minha amiga ficava sozinha. Já fazia algum tempo que não acompanhava seu banho, ritual que eu me deliciava em espiar. Um dia, já saudosa de nossas brincadeiras, corri para vê-la e não a encontrei. Procurei por toda a casa: ninguém a vira. Fiquei com remorso de tê-la abandonado. Será que, de tristeza, ela partira em busca de outra amizade? Pensava no que poderia ter lhe acontecido e na falta que me faziam as confidências que trocávamos em silêncio. Chorei.

            Assim como entrou, Adelaide saiu de minha vida: inesperadamente e com muita estranheza. Depois desse dia, nunca mais tive uma tartaruga como amiga.


(06)

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