A lógica da inocência
A lógica da inocência
Menina, seis anos
talvez, e um fastio irritante. A hora das refeições, uma tragédia. Para
contornar o problema, brincava com a comida no prato: enrolava a massa no garfo,
imaginando cabelos de princesa e, com as tirinhas de couve, fazia ramos de
salso-chorão. Na sopa de letrinhas exercia o beabá enfeitando as bordas. O arroz, num montinho bem arrumado no
centro e o feijão em volta, fazendo um grande sol branco de raios negros. Assim,
conseguia fazer daquela hora uma atração; o desafio de criar algo novo para driblar
a absoluta falta de fome, agradando assim aos pais.
A mãe, já cansada da
novela diária, repetia as palavras que moram na boca das mães zelosas, amorosas
e outras osas...: – Menina, não deixa comida no prato! Quantas
crianças não têm o que comer; que pegam
comida das latas de lixo. Mas a
menina não dava importância, achava que sua mãe estava brincando, pois sempre
que a levava para dormir, ela a afofava com carinho, fazia cócegas e dava
beijinhos amorosos. Envolvendo-a nas cobertas, a socava muito, enquanto a pequena,
desmanchava-se em risos, a mãe dizia que ia fazer dela um pacotinho e colocá-la
na lata de lixo. Ela adorava ouvir aquilo e já se via esperneando de prazer dentro
da lata.
Certa vez, passeando
pelas ruas do bairro, a mãe parou e disse: ― Estás vendo aquilo? A menina olhou e viu uma mulher com um bebê no
colo e um menino, mexendo numa lata de lixo. Catavam comida. O menino achou um
pacote de pão velho, dividiu com a mãe e sentou no fio da calçada para comer. A
menina virou-se exclamando: ― Então é
verdade?
Hora do almoço, o
silêncio. O prato servido, sem uma palavra. A dança dos talheres repetindo-se,
até o momento em que a menina não se contém e pergunta:
―
Mas mãe, se eu não deixar nada no prato, o que eles vão comer?
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