Pequenos nadas da infância



Pequenos nadas da infância


            Frente ao verde que se perde na montanha, vejo folhas se misturando com lembranças de infância. O vento sacode, espalhando-as pelo vale: cerração, frio no nariz, cama gelada. O faz-de-conta do banho, o fogão tinindo e a lenha queimando. O vermelho do fogo, as bochechas fervendo; o figo maduro estourando na boca; o ingá de polpa branca e a dor no pescoço de procurar os frutos escondidos nos galhos; a torta de maçã, lambuzada de nata. No pátio, as bolitas de gude de meu irmão, coloridas, intangíveis, proibidas, corriam alegres pelo chão de terra, chocando-se umas às outras. Escondida, eu pegava uma delas, a verde, e colocava no olho para ver o mundo colorido! A pequena mão mexia as bolitas na caixa, fazendo um barulhinho gostoso. A maleta de balé, vermelha, com uma bailarina, recorte da revista O Cruzeiro colada com goma de farinha; as sapatilhas, os cabelos presos com elástico em coques doloridos, ai! No espelho do salão, a imagem do futuro. A merenda aberta no recreio: pão com mortadela ou patê, feito por meu pai - que delícia! O joelho sempre esfolado pelas quedas da bicicleta, a dor do mercúrio. Do iodo, então, um horror! Os domingos em Belém Novo, na casa do tio Hermes; o enterro dos bichos-bola, com os gerânios nos túmulos; os banhos no Guaíba, as câmaras de ar; a caixa de fitas de cabelo: xadrezes, poás, azuis...

            As árvores balançam, e as lembranças embalam meus pensamentos. Atiro-os de volta para que se percam na cerração, que agora desce espessa no vale, turvando a vista.


(012)


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