Envelhecer
Envelhecer
- I –
Quero ficar
assim, sentada frente à janela, em silêncio, com o sol batendo em meu rosto; em
silêncio, porque não consigo mais falar. Não falo, mas ainda sinto. Eles acham
que não sinto mais nada, mas estão enganados; sinto o sol, sinto a chuva e fico
triste. Sinto frio, muito frio. Sinto medo. Medo de ficar sozinha; medo de
ficar suja, fedendo. Sinto meu cheiro. Gosto do cheiro de talco, colônia; não
gosto de me sentir com cheiro de merda, de morte, de carniça. Às vezes me
esquecem; esquecem de me limpar, e sinto muito frio. Minha manta cai e não consigo
pegar. Olho pra ela, ali no chão. Foi minha filha quem me deu, ou minha neta,
não lembro bem... Olho pra ela, tão macia, e ela não vem me aquecer. Sinto
saudade; saudade de minha mãe, do pão doce, do campo, dos banhos no riacho, da
água gelada. Minha mãe nunca vem me ver: foi assim no internato também. Fico sozinha.
Gosto de ver o sol na janela; ele vai sumindo e eu durmo. Às vezes vem um homem
bonito, e sorri pra mim, mas ele está mentindo, ele finge. Se gostasse de mim,
me levaria pra casa. Esta não é a minha casa.
- II -
Cabelos ralos,
branquinhos. O pente passa delicado, na cabeça pequena e já tão frágil. Quase
não toco o couro cabeludo para não ferir. Com os dedos, ajeito os fios mais
rebeldes, preencho as falhas, espalhando as mechas... Um toque de spray para
fixar. Um pó claro nas faces brancas, um leve blush nas maçãs do rosto; os
brincos de pérolas. Em minhas mãos, um rosto desvalido, tão doce, onde sulcos marcam
de forma cruel a pele: o momento de beleza sempre tão esperado é cada dia mais
difícil de realizar. No espelho do toucador vejo refletida nossa imagem. Quanto
tempo ainda, estaremos juntas, nesta hora? Pensar que um dia não terei mais esta
tarefa que iniciou como um compromisso, e aos poucos se tornou uma troca de
carinhos.
Para terminar, a
água de colônia.
(010)
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