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Mostrando postagens de 2012

SANTA SEDE: Tim-Tim por Tim-Tim*

    Sempre gostei de mesas de bar. Vazias, à espera de pernas para entrelaçar entre as suas; mesas cheias, confusão, bebida derramando num gesto inesperado de alegria - gargalhadas. Mesa para dois no cantinho escuro; para quatro ou mesa para três (o voto de Minerva): “só mais uma, a saideira”!    Ou a mesa para um, com copo suado de tanto esperar, manchando com lágrimas a madeira. Mas mesa de bar para escrever, só em tempos de Sabino, Rubem Braga. Então chegou a Santa Sede e a mesa, ou melhor, as mesas, discutiram, criticaram, noticiaram. Foram o palco de vidas sonhadas, vividas, sofridas e desejadas. Sempre sujeitas aos humores, aos incômodos, aos sabores ali depositados. Testemunhas da sede de um grupo unido por um mestre que distribuiu as cadeiras de forma que esta mesa em esp ecial fizesse história! Salve Rubem!              *Tim-tim por tim-tim, além de ser o som dos copos brindando, m...

2.012 - SERÁ O FIM???

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Entardecer no Refúgio do Villagio - Gramado A Terra gira, a Lua encanta, e o Sol, ah! o Sol, aquece nossas vidas e nossos corações ― mesmo durante as quadraturas com Vênus. Até um novo amanhecer.               A cada novo ano que se aproxima, estantes ficam repletas de revistas com previsões astrológicas indicando os novos rumos da humanidade. Com 2012 não foi diferente. Ou melhor, foi, na medida em que chegou com o anúncio do fim do mundo.             Estudiosos, experts na leitura das estrelas, e conhecedores dos mistérios guardados nos anéis, descrevem o calendário Maia, entre outras fontes, como o grande responsável por este prognóstico. O dito calendário termina em 21.12.2012. Depois, dizem, será o caos.             O que pensar, diante da perspectiva de que tudo o que ora vivemos, vai a...

A Viagem

A viagem (1988)          Praia calma, águas mansas. Tudo pronto para o embarque: - Passageiros a bordo!          J angada, lancha ou barco; a penumbra não deixa clara a visão. Seja o que for, vai fazer o transporte destes corpos que se acomodam, confortavelmente, para a travessia.          A embarcação se desloca suavemente. Nem se percebe seu movimento. As águas mansas acariciam a madeira do casco. Um leve tremor começa a ser notado. Sem pânico.            Ventos sopram, quentes, instigando a todos: calor. Gradativamente, vento e água iniciam um movimento, dançam juntos, agitando, ritmados a embarcação.            Entre gritos e gemidos de “perigo à vista”, o barco se desloca, agora convulsivamente. Embalado pelas ...

O sonho como passageiro

O sonho como passageiro             Como fazia há dois anos, quando começara a trabalhar nas ruas, ele estava com o carro estacionado no ponto de Taxi a que servia. Distraído, ouvindo as últimas do futebol aguardava um passageiro ou um chamado pelo rádio. Vez por outra, tirava um cochilo.               A manhã fora fraca ― talvez tenha sido o frio. São poucos os que se encorajam de sair quando sopra o Minuano.             ― Só mesmo por compromisso ― pensava olhando o céu carregado.             Uma leve batida na janela lhe tira daquela preguiça.             A porta se abriu e um perfume suave, seguido de uma linda mulher entra no taxi. Linda. Ele nunca vira alguém assim. Pensava es...

A colheita da marcela

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A Colheita da marcela             É cedo, madrugada ainda e meu pai me acorda para colher marcela. Assim temos feito sempre, nas Santas Sextas-feiras. A preguiça de levantar da cama acaba quando lembro o quanto é divertido o passeio até a Serra: aventura e contratempos  ―  pneus furados, radiador aquecido.             Num salto, pulo da cama. Visto as roupas colocadas de véspera sobre a cadeira. Calça comprida, tênis, e casaco. Tomamos um rápido café e saímos. No carro, reparo que as ruas estão desertas e pela janela aberta o frio da manhã gela meu rosto. Aos poucos, a cidade começa a acordar e as luzes das casas vão sendo acesas. Vejo movimento nas ruas, pessoas entrando em padarias, lojas abrindo portas, e o barulho estridente das cortinas de aço sendo levantadas.             Já na estrada começa o amanhecer; imagino uma lanterna fraca colocada no horizonte. Me...

O porão da casa da vó Anna

Na fábrica de vime do porão da vó Anna     Espio à volta e não vejo ninguém. A cozinha vazia, o corredor também vazio. Ouço a voz de vovó lá na frente de casa falando com a vizinha. Aproveito a chance e desço até o porão. O cheiro do vime me leva. Cuido para não fazer barulho nos degraus de madeira. Tenho medo de cair. Se cair, vai ter... Aqui é proibido chegar. Vovó avisou. Ultimo degrau! Espio pela porta, e vejo o vime boiando na banheira. Agora sei de onde vêm os cestos que vovô faz!  (14)

Menos a Fê, que está no Canadá!

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Menos a Fê, que está no Canadá!    Neste verão, muitos hits estão fazendo notícia. Delícia, delícia!      É um fenômeno que, de tempos em tempos acontece e que tem a rede social como a maior e mais rápida fonte de divulgação.  Sob a atual denominação de MEME, o bordão entra na vida das pessoas sem mesmo termos consciência. Um dos mais acessados na internet, e comentado pela mídia foi a história do comercial da Luiza. Uma frase dita ao acaso ganhou fama e poucas horas depois só se falava na Luiza. Surpresa para ela, surpresa para o pai ― causador da fama. O noticiário nacional, e dizem, o canadense, dedicou preciosos minutos para “informar” detalhes do fato.     E cá estou eu, dando meu espaço à notícia. Justifico dizendo que muitas famílias hoje diriam as mesmas palavras se referindo àquele filho que está na Austrália, nos States, na Espanha, trabalhando ou estudando. Faz parte da ânsia juvenil viver novas experiências e quem sabe, daí...

Pequenos nadas da infância

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Pequenos nadas da infância             Frente ao verde que se perde na montanha, vejo folhas se misturando com lembranças de infância. O vento sacode, espalhando-as pelo vale: cerração, frio no nariz, cama gelada. O faz-de-conta do banho, o fogão tinindo e a lenha queimando. O vermelho do fogo, as bochechas fervendo; o figo maduro estourando na boca; o ingá de polpa branca e a dor no pescoço de procurar os frutos escondidos nos galhos; a torta de maçã, lambuzada de nata. No pátio, as bolitas de gude de meu irmão, coloridas, intangíveis, proibidas, corriam alegres pelo chão de terra, chocando-se umas às outras. Escondida, eu pegava uma delas, a verde, e colocava no olho para ver o mundo colorido! A pequena mão mexia as bolitas na caixa, fazendo um barulhinho gostoso. A maleta de balé, vermelha, com uma bailarina, recorte da revista O Cruzeiro colada com goma de farinha; as sapatilhas, os cabelos presos com elástico em coques doloridos, a...

Mensagem no celular

Mensagem no celular Nada em Paulo denunciava o que estava por acontecer. Estava casado há sete anos com Elisa que nos últimos meses, vinha insistindo que já era hora de pensarem em ter um filho. Queria muito ser mãe.  Naquele dia, como de hábito, encontraram-se para almoçar. Na primeira mesa vazia sentaram frente a frente.  O garçom chegou com o cardápio. Paulo passou os olhos rapidamente pelas colunas, como se já soubesse o que pedir: filé com fritas e salada. ― Para mim o mesmo. E Coca Light ― completou a esposa. Olham ao redor. Ninguém conhecido no restaurante. Os olhares se encontram em silêncio. Ele desvia. Pega o celular no bolso interno da jaqueta. Ao mesmo tempo, ela procura na bolsa o seu aparelho, e os dois se concentram em examinar mensagens. Cabeça baixa, enterrada entre os ombros, eles teclam respostas e tuitam. O mundo se afunila na rede social que os faz comunicar-se com o universo. O pedido chega à mesa. Garfo na mão, olho no celular. Como autômatos...

Envelhecer

Envelhecer - I –             Quero ficar assim, sentada frente à janela, em silêncio, com o sol batendo em meu rosto; em silêncio, porque não consigo mais falar. Não falo, mas ainda sinto. Eles acham que não sinto mais nada, mas estão enganados; sinto o sol, sinto a chuva e fico triste. Sinto frio, muito frio. Sinto medo. Medo de ficar sozinha; medo de ficar suja, fedendo. Sinto meu cheiro. Gosto do cheiro de talco, colônia; não gosto de me sentir com cheiro de merda, de morte, de carniça. Às vezes me esquecem; esquecem de me limpar, e sinto muito frio. Minha manta cai e não consigo pegar. Olho pra ela, ali no chão. Foi minha filha quem me deu, ou minha neta, não lembro bem... Olho pra ela, tão macia, e ela não vem me aquecer. Sinto saudade; saudade de minha mãe, do pão doce, do campo, dos banhos no riacho, da água gelada. Minha mãe nunca vem me ver: foi assim no internato também. Fico sozinha. Gosto de ver o sol na janela...

A carta

A Carta             Fechou a porta do quarto bem devagar girando a chave em silêncio. Queria deixar do lado de fora, tudo e todos. Certificar-se de que estava só. Por alguns instantes ficou ali: as mãos espalmadas na madeira, segurando palavras, sons e imagens que insistiam em entrar.              Com passos trêmulos, caminhou até o espelho da cômoda. Não reconheceu o olhar duro e frio refletido;  lábios contritos, num quase choro. Examinou cada detalhe do semblante envelhecido, sem brilho, e sentiu pena. Como pode uma pessoa transformar-se repentinamente, a ponto de ver-se como um desconhecido?        Num movimento de repulsa quis se afastar, mas estava magnetizada por aquela imagem de dor. Era preciso ter coragem e ver de perto o estrago, o desastre que a consumira; poder enxergar as marcas abertas e ali expostas com tanta crueldade. Os cabelos, sempre tão bem t...